Resenha - Ansiedade como enfrentar a Síndrome do Pensamento Acelerado: Como e porque a humanidade adoeceu coletivamente, das crianças aos adultos.


Ansiedade como enfrentar.

Vivemos numa sociedade urgente, ansiosa. Raros são os que contemplam as flores nas raças ou se sentam para dialogar nas suas varandas. Grande parte dos seres humanos de todas as nações não sabem ficar sozinhos, se interiorizar, refletir sobre as nuances da existência - um autodiálogo. Estas pessoas conhecem muitos  das redes sociais, mas raramente conhecem a si mesmas. A ansiedade é tão grave quanto a depressão, ambas são doenças graves. A ansiedade é decorrente da Síndrome do Pensamento Acelerado (SPA).
Pensar é bom, pensar com lucidez é ótimo, porém, pensar demais é uma bomba contra a saúde psíquica, o prazer de viver e a criatividade. Desacelerar nossos pensamentos, é aprender a gerir nossa mente, são tarefas fundamentais.

Sem perceber, a sociedade moderna, consumista, rápida e estressante, alterou algo que deveria ser inviolável, o ritmo de construção de pensamentos, gerando consequências raríssimas para saúde emocional. O prazer de viver, o desenvolvimento da inteligência, a criatividade e a sustentabilidade das relações sociais.

“Toda mente é um cofre, não existem mentes impenetráveis, e sim chaves erradas”. 

A educação clássica raramente ensina aos estudantes as ferramentas básicas para que aprendam, desde a infância, habilidade de filtrar estímulos estressantes, proteger emoção, gerenciar pensamentos, pensar antes de agir, ou seja, alicerçar o Eu como gestor psíquico aliviando os graves sintomas do SPA. Há débito na formação de pensadores capazes de desenvolver mentes livres e emoções saudáveis.
Usando a metáfora do teatro, o nosso Eu, que representa a nossa capacidade de escolha. Como podemos falar de mentes saudáveis sem mencionar os mecanismos básicos para proteger a emoção?

“Só fazemos seguro daquilo que é caro! Sua emoção tem seguro?”

Somos livres para pensar?

O filósofo francês Jean-Paul Sartre defendeu uma das teses mais inteligentes da filosofia. O ser humano está condenado a ser livre. 
Sua mente é livre para pensar, fantasiar, sonhar, imaginar. Se o Eu não for treinado para refletir sobre seus erros, a punição não será em hipótese alguma pedagógica. A mente jamais pode ser aprisionada.
Nós construímos pensamentos a partir do corpo de informações arquivado em nossa memória. E a memória é um produto de nossa carga genética, do útero materno, do ambiente social, do meio educacional e das relações como o nosso Eu com a própria mente. A cultura é fundamental para a identidade de um povo, mas se ela nos impede de nos colocar no lugar do outro e pensar antes de reagir´, torna-se escravizante. 
Nós temos “milhões de tijolos” em nossa memória que vem das relações, experiências, informações. Apesar da liberdade que o Eu tem que acessar e utilizar os “tijolos” para construir pensamentos há fenômenos inconscientes que constroem pensamentos e emoções sem sua autorização! Que podem sabotá-lo, escravizá-lo, encarcerá-lo! Podemos e devemos ser educados para ser autores da nossa história mas essa liberdade e conquistada e tem seus limites. 

Quem somos?

A construção de pensamento não é unifocal, mas multifocal, não dependendo apenas da vontade consciente, ou seja, o Eu, mas de fenômenos inconscientes. Somos tão complexos que quando não temos problemas, nós os criamos. 

“Quem vence seus riscos, triunfa sem dignidade”.

Nossos pensamentos estão distorcidos e contaminados por nossa cultura e personalidade (Quem sou), por nossa emoção (Como estou), pelo ambiente social (Onde estou), por nossa motivação (O que intenciono).

Pare, observe-se, enxergue-se!

Vivemos a vida como se ela fosse interminável. Para os sábios, a brevidade da vida convida-os a valorizá-la como um diamante de inestimável valor. Ser sábio não significa ser perfeito, não falhar, não chorar e não ter momentos de fragilidade. Ser sábio é aprender a usar cada dor como uma oportunidade para aprender lições, cada fracasso como uma chance para recomeçar. Nas vitórias, os sábios são amantes da alegria, mas derrotas, são amigos da interiorização.

A ansiedade vital

Os fenômenos que constroem cadeias de pensamentos estão num movimento contínuo e inevitável, num estado de ansiedade vital; Pois movimenta todo o processo de construção do psiquismo, sejam pensamentos, ideias, personagens ambientes, desejos, aspirações. Quem tem mente agitada desenvolverá SPA que é como um filme editado em alta velocidade. Só há apreço nos primeiros segundos, depois o desprazer atinge o espectador. O gatilho da memória constroem pensamentos, é acionado quando entramos em contato com cada estímulo, ele atuam em milésimo de segundo, ele abre as janelas da memória ativando a interpretação imediata e a consciência instantânea.
As boas impressões e interpretações dos milhares de estímulos que percebemos, ainda que se tornem conscientes, são patrocinadas por fenômenos inconscientes. Compreendemos as palavras escritas ou faladas pelo pacto do gatilho com janela da memória, não seríamos uma espécie pensante. 

Janelas da memória: O armazém de informações

Uma janela é como se fosse uma residência. cada residência tem características básicas que a definem, as janelas da memória têm centenas de milhares de informações que as caracterizam. Tipos de janela:
  1. Neutras - Corresponde mais de 90% de todas as áreas da memória. Sem conteúdo emocional, tais como endereços, números, dados corriqueiros. 
  2. Killer - Corresponde a todas as áreas da memória que tem conteúdo emocional angustiante, fóbico, tenso, depressivo, compulsivo. Estas janelas que controlam, amordaçam a liderança do Eu. Há subtipo de janelas como o mau humor, ciúme, raiva, pessimismo, fobias. Devemos mapear e perguntar quais são as janelas killer mais importante que furtam nossa tranquilidade, nossa saúde emocional. Devemos saber que não é possível deletar as janelas killer, mas é possível reescrevê-las.
  3. Light - Correspondem a todas as áreas de leitura a que contém prazer, serenidade, generosidade, coerência. A janela light “significa luz, acender”, elas indicam iluminam o Eu para o desenvolvimento das funções mais complexas da inteligência. Capacidade de pensar antes de reagir, colocar-se no lugar do outro. 

A educação sobre o futuro emocional, social e profissional é de responsabilidade dos pais e educadores. E muitos pais terceirizam a educadores. Os pais exercem 90% da influência na personalidade dos filhos. Não sobre o que falam, apontam ou corrige e sim pelo comportamento que expressam. Pais querem ensinar seus filhos a ser pacientes, mas eles mesmos são impulsivos. O exemplo não é apenas uma boa forma de educar, é a mais poderosa e eficiente. A escola deve ser um complemento a educação familiar.

“Formar pensadores e educar a emoção é vital e urgente”.

Autofluxo é um fenômeno inconsciente de de inigualável importância para o intelecto humano. O Eu faz uma leitura lógica. A leitura do autofluxo é diferente. O autofluxo faz uma varredura inconsciente, não programada dos mais diversos campos da memória, produzindo pensamentos, imagens mentais, ideias, fantasias, desejos e emoções. Todos os dias, cada ser humano “ganha” vários bilhetes para viajar pelos seus pensamentos, suas fantasias, penetrando em seu passado e especulando o seu futuro.
E quais são as funções do  Eu como gestor dos pensamentos:
  • Ter consciência crítica e exercer a arte da dúvida sobre tudo o que o controla, em especial as falsas crenças.
  • Gerenciar os pensamentos e qualificá-los para não ser escravo das ideias que ruminam o passado ou antecipam o futuro.
  • Superar a necessidade neurótica de mudar o outro e aprender a contribuir com ele, surpreendendo-o.
  • Criar pontes sociais: saber que toda mente e um cofre, que não há mentes impenetráveis, mas chaves erradas.
  • Gerenciar a SPA para não ser uma máquina de pensar e de gastar energia cerebral inútil.
Um Eu saudável e inteligente enxerga que todos os seres humanos são igualmente complexos no processo de construção de pensamentos, embora essa construção tenha diferentes manifestações culturais, velocidade de raciocínio, coerência e sensibilidade.

O Eu e o Autofluxo: Parceiros ou inimigos?

Um Eu saudável e inteligente enxerga a grandeza da existência. Um Eu saudável e inteligente pauta a sua agenda social pela flexibilidade, pela capacidade de expor seus pensamentos, nunca impô-los. Quem impõe suas ideias, seja através do tom de voz exacerbado, da pressão social, da pressão financeira de cobranças excessivas ou de discursos intermináveis, não é autor da sua própria história nem formador de pensadores, mas formador de servos, de pessoas passivas, intimidadas, submissa.
Há líderes que jamais foram dignos do poder que possuem, pois não sabem liderar o potencial intelectual dos seus liderados. E ninguém é digno do poder se o ama acima das pessoas que lidera. Um Eu maduro é autoconsciente, determinado, líder de si em primeiro lugar, para depois liderar os outros.

Há seis tipos de Eu:
  1. Eu gerente - Pessoas cujo Eu aprendeu a gerenciar seus pensamentos, a exercer a arte de se questionar; Elas libertam seu imaginário, apreciam os movimentos do autofluxo e também são capazes de criticar suas idéias, verdades, crenças. Sabe que quem vence sem dificuldades triunfa sem grandeza.
  2. Eu viajante ou desconectado - São pessoas que embarcam seu Eu em todas as viagens promovidas pelo autofluxo, sem promover nenhum gerenciamento. Tais pessoas não perderam os parâmetros da realidade, não estão em surto psicótico, mas por serem viajantes na trajetória da própria mente, alternam com muita facilidade momentos felizes e de tensão.
  3. Eu flutuante - Assim como o Eu desconectado, não tem âncora, segurança, estabilidade, clareza sobre onde está e onde quer chegar. Não tem autonomia, ideias próprias, num momento tem opinião, no seguinte são influenciadas por outros ou pelo ambiente, mudam-na com facilidade. Pessoas com Eu flutuante, causam transtorno nas próprias relações, perturbam a tranquilidade e o prazer do parceiro(a).
  4. Eu engessado - São pessoas que não libertam o fenômeno do autofluxo e, contraem seu imaginário e sua criatividade. Seu Eu é rígido, fechado, inflexível. Vivem entediadas e entediando seus íntimos. Quem é radical não está convencido do que crê, nem da sua religião, pois se estivesse não precisaria usar pressão para se expressar. Tais pessoas podem até ser sucesso “por fora”, mas não miseráveis por dentro.
  5. Eu autossabotador - Não gere o processo de construção de pensamentos para promover estabilidade e profundidade emocional. Esse tipo de Eu vai contra a liberdade, conspira contra seu prazer de viver, sua tranquilidade e seu êxito profissional e social. Um Eu que sabota a própria felicidade pode ser ótimo para com o outros, mas péssimo para si. Pode ser tolerante com seus íntimos e amigos, mas implacável consigo mesmo. Quem cobra demais de si retira o oxigênio da própria liberdade, asfixia sua criatividade e, o que é pior, estimula o registro automático da memória a produzir janelas killer toda vez que falha, tropeça ou não corresponde a suas altíssimas expectativas.
  6. Eu acelerado - Pertence o imenso grupo de pessoas em todo o mundo, em todas as sociedades modernas, de crianças a idosos, que se entulham de informações, atividades e preocupações. E consequentemente, excitam o fenômeno SPA - Síndrome do Pensamento Acelerado.

Um ser humano não precisa ter toda a cidade da memória perfeita, sem ruas esburacadas, esgotos a céu aberto e bairros traumatizados para ter uma vida digna. Se você construir núcleos de habitação saudáveis, será possível ter uma vida aceitável e prazerosa. Se não fosse assim, o processo de formação da personalidade seria completamente injusto. Podemos alicerçar todos os papéis do Eu já listados, reeditar a memória e apreender algumas ferramentas, como a técnica  da mesa-redonda do Eu, a proteção da emoção, a resiliência, para assumir o script da nossa história. 
Devemos nos lembrar sempre desta tese: Se a sociedade nos abandona, a solidão é tratável, mas, se nós mesmos nos abandonamos, ela é quase incurável.

Uma das características mais marcantes da Síndrome do Pensamento Acelerado é o sofrimento por antecipação. Seu Eu sabota sua tranquilidade. Final do século XX para cá, crianças e adolescentes estão cada vez mais agitados, inquietos, sem concentração, sem respeito uns pelos outros, sem prazer em aprender. Porque muitos acordam fatigados? Porque gastam muita energia pensando e se preocupando durante o estado de vigília. O sono deixa de ser reparador, não consegue repor a energia na mesma velocidade.
Não é o excesso de informações e de pensamentos que determina a qualidade das ideias. É a maneira como organizamos os dados e não o excesso deles, que determina o grau de criatividade. Selecionar as informações é fundamental. E nós por vezes só “engolimos as informações” rapidamente sem digerir. 

Devemos viver as experiências lenta e suavemente, como quando saboreamos um sorvete ao sol escaldante no verão. As pessoas ansiosas, impacientes, inquietas, que detestam rotina e querem tudo imediatamente não verão a vida passar, elas são os piores inimigos da sua emoção.

Duvidar de tudo o que nos aprisiona, criticar cada pensamento que nos fere e determinar estrategicamente aonde queremos chegar em nossa qualidade de vida e em nossas relações sociais são tarefas fundamentais do Eu. Infelizmente estamos morrendo mais cedo emocionalmente, embora vivamos mais tempo biologicamente. Não sabemos ser gestores de nossa emoção, dilatar o tempo, dialogar, falar de nós mesmos, gastar tempo com aquilo que o dinheiro não pode comprar. Quem não é fiel à sua qualidade de vida, tem uma dívida impagável consigo mesmo. 

Ter coragem para velejar para dentro de nós mesmos, reconhecer nossas fragilidades, admitir nossas loucuras, corrigir rotas e nos educar para sermos autores da nossa própria história é, acima de tudo, ter um caso de amor com a vida. Ninguém pode fazer essa tarefa por você, não traia o que você tem de melhor!




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Augusto Cury, 1ª Edição - Ansiedade: Como enfrentar o mal do século: a Síndrome do Pensamento Acelerado -  Como e porque a humanidade adoeceu coletivamente, das crianças aos adultos. 
Editora Saraiva, 2014.