[Resenha] Ego Transformado - A humildade que brota do Evangelho e traz a verdadeira alegria.
Tim Keller abre o livro com uma pergunta intrigante: Quais as marcas de um coração radicalmente transformado pela graça de Deus? Com sua perspicácia afiada, Keller responde a essa pergunta nas 40 páginas de conteúdo que o livro oferece.
Keller inicia sua jornada com a tese de esquecimento do ego, ou seja, um coração transformado pela graça divina esquecerá a si mesmo. O autor se baseia numa breve passagem bíblica encontrada em I Co 3.21 – 4.7, onde o apóstolo Paulo está confrontando a jactância da Igreja de Corinto, que se orgulhava em demasia da presença de seus mestres, a saber, Paulo, Apolo, Pedro e Cristo. Na verdade, a Igreja havia se dividido em 4 gangues que brigavam entre si defendendo uma dessas figuras, de acordo com a filosofia de cada gangue. Keller argumenta que nessa passagem, Paulo está mostrando a causa da divisão deles é a vanglória e o orgulho.
No v. 21 o apóstolo Paulo já os exorta veementemente com uma chamada contra a vanglória “...ninguém se glorie...”. Em outras palavras, Paulo está exortando a vanglória e chamando a Igreja a uma busca pela humildade. Keller então argumenta, que as culturas tradicionais do século XX defendiam a crença de que a autoestima elevada demais era a raiz dos males de nossa sociedade. A isso eram atribuídos atos violentos e crimes dos mais diversos. Já no século XXI, a crença mudou. A autoestima elevada não é mais a causa dos males, mas sim a falta de autoestima, ou seja o marido bate na esposa, pois ele tem uma valorização muito baixa de si.
Keller nos traz outro dado digno de nota na introdução de seu livro. Ele cita o artigo da Psicóloga Lauren Slater – The trouble with self steem (O problema da auto estima), onde a autora argumenta, apoiada em diversas pesquisas, que a autoestima negativa como fonte produtora de males não é algo comprovado. Keller menciona que a tese da autoestima como motivadora para as drogas e o crime além de outros atos violentos encontra-se arraigada na nossa psique. Isso levará anos para deixar de ser uma tese tão poderosa. Keller ainda argumenta que essa tese nos deixa confortáveis pois não é necessário fazer nenhum julgamento moral para lidar com os problemas da sociedade, bastando apenas animar as pessoas para ajudá-las a se desenvolverem. Em culturas tradicionais, o método para resolver esse problema era repreender a pessoa, convence-la do erro e alerta-la de sua maldade.
Keller, então, se encaminha para a tese que expõe em seu livro. Ele cita Paulo em I Coríntios, onde o apóstolo nos apresenta uma maneira de: entender a autovalorização, uma maneira de enxergar o eu e uma forma de vermos a nós mesmos. Essa abordagem é completamente diferente as abordagens da cultura moderna e pós moderna. O autor situa seu livro em três argumentos extraídos da leitura de I Coríntios:
A condição natural do ego humano;
A visão transformada do eu (a qual Paulo havia descoberto e que se dá por meio do Evangelho)
Como alcançar uma visão transformada do eu.
Vamos abordar cada tema em detalhe.
1. A condição natural do ego humano.
Em I Coríntios 4.6 Paulo exorta os irmãos a não se orgulharem de uma pessoa em detrimento de outra. Paulo nesse texto não emprega a palavra hubris que é o termo mais comumente utilizado para orgulho. Ele usa a palavra physioo. Essa palavra tem o sentido de superinflado, inchado, distendido além do normal. É como uma órgão distendido e dolorido por ter recebido uma enorme quantidade de ar. O órgão está inchado, inflamado e expandido além de seu tamanho normal. Essa é a condição natural do ego. Com essa imagem do ego, Paulo ensina quatro verdades a respeito da condição natural do ego humano. Ele é vazio, dolorido, atarefado e frágil.
Explorando a abordagem de Keller sobre essas lições, nós temos:
O Ego vazio. Revela que há um vazio no centro do ego humano. O ego superinflado está oco. Não tem nada no centro. O homem então está aberto a criação de ídolos de acordo com as suas mazelas e colocá-lo no lugar de Deus. Dessa feita, o orgulho espiritual é a ilusão de que somos mais competentes do que Deus, para conduzir a vida, desenvolver nosso próprio senso de valor pessoal e descobrir um propósito grande o bastante para dar sentido à vida. O ego está sempre buscando algo que lhe dê senso de valor, de singularidade e de propósito, e então ele se apoia nisso. Keller também nos lembra de que se tentarmos colocar algo no lugar reservado originariamente a Deus, vai sobrar muito espaço. Tudo o que colocarmos ali dentro, chacoalhar bastante.
O Ego é dolorido. Isso acontece pois ele está inflado, distendido e superinflado. Por isso dói. A ideia aqui é que prestamos mais atenção ao nosso corpo quando temos um problema. Se cortamos o dedo, passamos o dia todo tentando protegê-lo. O mesmo acontece com o Ego, de uma forma mais acentuada. Há algo errado com o Ego. Ele vive chamando a atenção para si mesmo, todos os dias. O Ego exige que avaliemos nossa aparência e a maneira como somos tratados. É comum a reclamação de que essa ou aquela pessoa feriu nossos sentimentos. No entanto, os sentimentos não podem ser feridos. Então, o que acontece? Keller argumenta que É o Ego que se sente machucado, nosso eu, nossa identidade. Os sentimentos continuam bem. O Ego é quem sente dor. O autor argumenta que isso é indicativo de que há algo seriamente errado com o Ego. Há algo errado com a minha identidade, com a percepção que tenho do meu eu.
O Ego é atarefado. Faz de tudo para ser notado. Numa tentativa de preencher o vazio e lidar com seu desconforto, o ego vive se comparando com outras pessoas e isso o tempo todo. No centro do Ego há a competitividade. Para satisfazer essa competição, muitas vezes nos embrenhamos em atividades das quais não gostamos, apenas para nos vangloriar.
O Ego é frágil. Nesse ponto, Keller questiona ao mesmo tempo a tese da modernidade clássica e Pós Moderna – O Ego inflado como o grande mal do século e o Ego desinflado, representado pela baixa autoestima. Pessoas com o ego inflado, correm o risco de tê-lo desinflado. E as pessoas com o ego desinflado, ilustram o fato de já terem tido o ego inflado, e agora ele se encontra vazio. Ambos são resultados de um Ego inflado.
Keller então finaliza sua argumentação do Ego dolorido, expondo a tese de que o Ego é um buraco negro. É insaciável. As glórias do ontem, não o satisfarão no hoje. Dessa mesma forma, Paulo mostra a Igreja de Corinto que eles estavam orgulhosos demais em seus mestres. Eles reivindicavam um relacionamento especial com esses mestres, mas na verdade eram incapazes de se deleitar simplesmente na amizade que tinham com Paulo. Paulo segue dizendo a Igreja que o Evangelho transformou seu senso de valor e ele quer que os Corintos experimentem a mesma coisa.
2. A visão transformada do Eu.
Em I Coríntios 4.1-2 Paulo lembra os cristãos de Corinto de que ele é ministro de Deus em tem um trabalho a fazer, portanto a ele pouco importa ser alvo do veredito dos crentes de Corinto. Ele não está ali para levar em consideração o que as pessoas dizem dele. Ou seja, a identidade de Paulo não está presa nem na opinião alheia nem na dele sobre si mesmo (I Co 4.4). Paulo não abraça a tese antiga e pós-moderna de “Decida quem você quer ser e seja, pois o que realmente interessa é como você se enxerga”.
Keller, então, propõe uma pergunta hipotética para Paulo: “O que Paulo responderia a quem lhe mandasse estabelecer os próprios padrões morais?”. Paulo responderia que isso é uma armadilha, pois é um ardil declarar que não precisamos levar em conta os padrões alheios e que devemos seguir nossas próprias normas. Elevar nossa autoestima vivendo de acordo com nossos critérios parece uma solução espetacular, porém não é suficiente. O apóstolo Paulo era muito honesto sobre quem ele era “Cristo veio salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal”. (I Tm 1.15). Ao afirmar isso, Paulo diz que está consciente de seus pecados, mas não os conecta a sua identidade. Ou seja, ao ver seu pecado, Paulo não destrói sua identidade, assim como ele não se vangloria quando faz algo bom - Não os liga a sua identidade. Paulo sabe que não era inocente, mas tem a consciência limpa.
O que justifica esse comportamento de Paulo? Seu Ego satisfeito. Paulo descreve que a Humildade é o antídoto para o Ego inchado. Mas, não a nossa humildade, mas uma que brota do auto esquecimento que o Evangelho traz, pois a humildade do Evangelho destrói a necessidade que tenho de pensar em mim. A humildade do Evangelho, não é a que me faz pensar nem mais nem menos de mim. Ela me faz pensar menos em mim. A humildade do Ego saciado, diz Keller, é esquecer-se de si mesmo. O Ego dessa pessoa passa a ser como os dedos do pé, sabemos que eles estão lá, mas não pensamos um segundo sequer neles. Assim como os dedos, o Ego simplesmente trabalha. A pessoa de Ego satisfeito não é abalada nem pelas críticas, nem pelos elogios. A pessoa simplesmente pensa menos em si.
3. Como alcançar uma visão transformada do eu.
Na última parte do livro, Keller argumenta sobre como alcançar uma visão transformada do eu. Em poucas páginas, ele expõe a visão de Paulo de que os Coríntios se organizavam como um Tribunal, que diariamente julgavam aqueles de Ego inflado ou desinflado. Paulo não participa desse Tribunal e questiona a tese deste com a afirmação de que somente a opinião de Deus conta. Paulo já deixou o Tribunal pois Deus já lhe julgou e o veredito é que Paulo foi justificado. Essa é a chave para a consciência limpa de Paulo. O apóstolo não defende as teses vazias de que Deus é amor para justificar comportamentos imorais e erráticos.
Ao contrário das teses modernas, de que para valorizarmos a nós mesmos, precisamos praticar boas ações ou ser um determinado tipo de pessoa, Paulo ensina que esse nosso desempenho não nos leva a nenhum veredito. (Mateus 3.17). O Tribunal cósmico de Deus já nos deu um veredito (Rm 8.1). Ou seja, não temos mais condenações, pois Deus nos imputa as ações perfeitas de Cristo e seu desempenho. Ele nos imputa, ou seja, dá como se tivéssemos conquistado, mesmo que nós não tenhamos conquistado por nossas forças. E assim, Deus nos diz exatamente aquilo que disse a Jesus “Tu és o meu filho amado, de quem me agrado” (Mc 1.11). A beleza do auto esquecimento é que posso apreciar as coisas pelos que são. Faço elas pela alegria de fazer. Ajudo as pessoas pois quero de fato ajudar (e não para me sentir bem, ou para preencher um vazio). No Cristianismo, não é nosso desempenho que nos garante o veredito, pelo contrário, o veredito nos garante o desempenho. Como isso é possível? Paulo, argumenta Keller, diz que Jesus esteve no Tribunal. Ele foi julgado num Tribunal. Ele foi golpeado e espancado para nos substituir. Ele recebeu a condenação que merecíamos. Ele encarou o julgamento que era nosso, e por isso não precisamos enfrentar mais nenhum julgamento. O que resta fazer é pedir que Deus nos aceite e nos receba.
A luz dessas coisas, como podemos permanecer infelizes? Por que dar tanta atenção a imagem refletida no espelho? Por que dar tanta atenção as falas alheias sobre nós? A identidade Cristã nos tira desse jugo. O auto esquecimento nos retira do Tribunal. O julgamento acabou. Se você se sente sendo sugado de volta para o Tribunal, ore. Reviva o Evangelho todas as vezes que orar, que o sofrimento te alcançar, ou que as palavras alheias lhe ferirem. O Julgamento acabou. O Senhor Deus afirma a nós: “Tu és o meu filho amado, de quem me agrado” (Mc 1.11).
Por Pr. Rafael Moreno _________________________________________________________________
Timothy Keller, Ego Transformado - A humildade que brota do Evangelho e traz a verdadeira alegria. São Paulo: Vida Nova, 2014.
Outras Referências:
Slater, L. (2002, February 03). The Trouble With Self-Esteem. Retrieved July 14, 2020, from https://www.nytimes.com/2002/02/03/magazine/the-trouble-with-self-esteem.html